quinta-feira, 10 de março de 2011

Entrevista a uma voluntária da associação "Vencer e Viver"

Grupo Mestastizando Sorrisos: O que a levou a praticar voluntariado?

Voluntária: Foi, fundamentalmente, o facto de ter possuído uma doença oncológica, em que o apoio familiar, nomeadamente do meu pai, foi essencial. Achei que, de facto, era uma mais valia poder ajudar as mulheres que ficam perdidas quando têm uma noticia desse género.

GMS: Consegue abstrair-se das histórias dos pacientes com que lida diariamente?

V: Temos que ter muita preocupação em discernir as várias emoções envolvidas nas histórias de pacientes, pois por vezes, não é fácil lidar com tal devido à intensidade com que os doentes nos marcam. Sendo assim, para ser uma boa voluntária tenho que realizar uma certa separação: quando algo nos perturba emocionalmente, devemos efectuar uma pausa para manter o nosso equilibrio, porque isso é o melhor para o doente em causa.

GMS: Como é que lida com a dor dos outros?

V: É muito complicado porque no grupo de voluntariado em que eu trabalho (Associação Vencer e Viver), todas as mulheres já possuíram cancro da mama e já o ultrapassaram, e muitas vezes ao falarmos com os pacientes sobre a nossa experiência relembramos os momentos menos bons, e isso é difícil. No entanto, necessitamos de ser fortes e ter consciência que a nossa missão é ajudar os doentes, portanto nem sequer podemos transmitir essa nossa angústia.

GMS: Costuma utilizar a sua história para falar com as mulheres? Conta-lhes como é que passou pela doença?

V: Depende. Eu tenho uma vivência de cancro muito grande. Tive cancro de mama e de intestino; sou uma mulher mastectomizada bilateral, fiz todos os tratamentos e para além disto, também não tenho o intestino grosso. De uma maneira geral, não me importo de falar sobre a doença porque sei lidar muito bem com ela, mas é complicado transmitir a outro doente que tem cancro pela primeira vez, e que se sente profundamente preocupado e inquieto, dar o meu testemunho nesse sentido e dizer para estar descansado pois eu tive um segundo, terceiro e quarto cancro...como é óbvio, não vou fazer isso, porque uma mulher que tenha um primeiro cancro automaticamente vai pensar que irá ter um segundo, o que não é bom para ela. Procuro, essencialmente, tranquilizá-las. Sendo assim, ultimamente tenho dado o meu testemunho de sobrevivência de cancro com o intuito de fazer mudar as mulheres e tenho a noção que a minha ajuda é vital para muitas delas, tentando eu transmitir que o cancro não é sinal de morte. Desta forma, é importante que estejamos cada vez mais atentas e que façamos o rastreio (um cancro tem outro impacto quando detectado atempadamente).

GMS: Consegue captar com facilidade a confiança das doentes oncológicas?

V: Bastante.

GMS: Os doentes oncológicos são sensíveis às actividades desenvolvidas?

V: Muito, muito… cada vez mais. Nós somos um grupo de ajuda, um grupo de ajuda voluntário diferente dos restantes, porque apenas abrange mulheres que tiveram experiência de cancro de mama; portanto para as outras pessoas e para a família, que cada vez apoiamos mais, é digamos, como uma luz ao fundo do túnel. E de facto, há uma grande ligação entre eles e nós.

GMS: Que actividades e iniciativas promove com os doentes oncológicos?

V: O grupo em que participo está sempre em actividade: temos muitos trabalhos e por vezes, são os próprios médicos que nos pedem para darmos apoio aos pacientes. Portanto, nós seguimos a mulher com cancro da mama desde o início e também realizamos actividades para a família dentro e fora do hospital. Fazemos muitas acções de sensibilização para a população, principalmente no mês de outubro com o objectivo de mostrar a importância do rastreio.

GMS: Que sentimentos a dominam quando assiste a uma história de vida cujo final é trágico?

V: Claro, é sempre complicado e muitas vezes é uma vida que se perde. Quando assistimos a doentes que tiveram cancro e depois a doença não estabilizou e há todo aquele processo de dor, de sofrimento e de tratamentos que não deram resultado, é dificil para nós porque nos vamos rever numa situação que poderá acontecer connosco, aumentando tal a dor da perda de um paciente e de um amigo.

GMS: E quando o desfecho é feliz, é um incentivo para continuar?

V: Muito. É um exemplo, se bem que agora isso é mais complicado porque temos tido, ultimamente, várias recidivas ao fim de 20 anos e de 17 anos. Eu, por exemplo, tive um recidiva ao fim de 17 anos portanto para nós já não há tempo, não há prazos. Temos incutida em nós a ideia de viver o dia-a-dia o melhor possível e de estar conscientes que pertencermos ao grupo das que têm sorte.

GMS: Qual acha que são as características de um voluntário?

V: Um voluntário tem que ter disponibilidade, tem que ser uma pessoa discreta, que saiba ouvir mais do que falar, que saiba qual é o momento certo para poder apoiar aquela doente, principalmente que faça aos outros aquilo que quer que façam consigo. Ter disponibilidade e ter serenidade suficiente para poder distinguir os seus momentos menos bons, pois todos nós temos as nossas contrariedades.

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